domingo, 18 de maio de 2014

O PASSADO



Com roteiro e direção do cineasta israelense Asghar Farhadi, O Passado é um verdadeiro mergulho em relações familiares envolta em convulsões afetivas, e fica nítido que, não importa a nacionalidade das pessoas, os dramas são de natureza humana. Diretor já conhecido por inúmeros filmes, em especial A Separação, ganhador do Oscar 2011 de Melhor Filme Estrangeiro.
Drama passado nos arredores de Paris, onde Marie (Bérénice Bejo, de O Artista) mora com suas duas filhas e seu novo namorado Samir (Tahar Rahim), e seu pequeno filho Fouad (Elyes Aguis).
O iraniano Ahmad (Ali Mosaffa) que foi casado com Marie, vem do Teerã para efetivar a separação e, como Marie não reservou um hotel para ele, termina se hospedando na casa de dela.
De imediato Ahmad percebe a desarrumação na casa e no mundo de Marie, inclusive o estremecimento da relação com Lucie (Pauline Burlet), sua filha mais velha, que não aceita que a mãe assuma outro casamento, o que para ela é sinônimo de infelicidade, pelas experiências anteriores. Ahmad também descobre que Marie está grávida e que Samir é casado, e sua mulher tentou o suicídio e está em coma irreversível. E Ahmad, uma pessoa calma e sóbria parece que veio para este ambiente de discórdia, infelicidade e ressentimento para catalizar tantas perturbações, mas ele também carrega o próprio fardo da separação.
Eis uma verdadeira novela, um drama psicológico tendo Marie como personagem central, com seus conflitos no presente, com um passado não resolvível e um futuro incógnito.
Tudo no filme tem um significado que vai se revelando aos poucos, um verdadeiro quebra cabeça, onde as peças do tabuleiro vão se encaixando através das cenas do cotidiano, dos diálogos naturais, da profundidade dos personagens, à  medida que fatos do passado mostram os estragos no presente.E várias questões vêm à tona, algumas com respostas ou não.
Por que Marie não reservou o hotel para Ahmad e o instalou em sua casa, será uma vingança por ele a ter abandonado, obrigando Ahmad a se confrontar com a vida atual dela e o não resolvível, e Ahmad ainda se sente na obrigação de ajudar a resolver algumas questões. Por que Lucie não aceita o relacionamento de sua mãe com Samir? e até o motivo sobre o suicídio da mulher de Samir será tema de investigação.
Todos os problemas vão sendo desfiados como um novelo de lã de forma invejável, realista, sem cair no melodrama, e cada personagem traz sua versão da história, através de diálogos ou palavras soltas, e cabe à plateia tirar suas conclusões. Não há julgamentos, vítimas ou culpados e questões como amor, adultério, abandono, suicídio, racismo, vão sendo colocados e somos intimados à reflexão.
A maioria das cenas em ambientação doméstica, com bonita fotografia, ruídos sonoros locais que transmite um ar realista sem cair no melodrama, uma certa lentidão, a nos dar tempo para digerir. Direção impecável, tão  real como a própria vida, excelente elenco, em destaque a performance de Ali Mosaffa, como Ahmad.
Filme que vai além do assistir, nos leva a explorar o perfil de cada personagem, a profundidade dos sentimentos, verdades que não são ditas, outras que virão à tona.
Somos responsáveis por nossos atos e com certeza as consequências virão, tardias ou não. E a certa altura faz-se necessário encarar o momento atual de frente, com ética e coragem, sem temer os próprios fantasmas, esta é a decisão mais acertada. E só assim se estará pronto para viver o que a vida oferece, e saber discernir o tempo certo para as decisões finais, corrigir o rumo quando preciso for, mas levando a carga do passado, como um contraponto para o presente.
E a cena final, magnífica, deixa tudo isto muito claro como uma grande lição de vida!




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