¨As pessoas não são
necessariamente malvadas, elas são perigosas quando têm medo¨.¨O desemprego está em todas as
partes¨.Você mordeu o fruto de ouro, agora vai cuspir as cinzas¨.
Estas são algumas frases do texto
do romance de Victor Hugo intitulado L’Homme Qui Rit, em português O Homem que Ri, um drama francês
em sua terceira adaptação para o cinema.
A primeira versão americana teve a direção de Paul Lenni em 1928 e a segunda
versão franco-italiana, sob a direção de Sergio Cobucci, em 1966.
Esta nova versão do diretor Jean-Pierre Améris concentrou a atenção no desenvolvimento do personagem
principal Gwynplaine, com 95 minutos de
um melodrama com o retrato sombrio da natureza humana, partindo do grotesco e
da deformação humana, tendo como pano de fundo a aristocracia inglesa do século
XVII, contrastando com a plebe e as insuportáveis diferenças sociais.
A história triste e melancólica
de um órfão chamado Gwynplaine, um garoto seqüestrado quando criança e com o rosto
desfigurado por uma cicatriz feito por um bando de ciganos andarilhos, conhecidos como ¨comprachicos¨, que esculpe um sorriso
macabro e rígido, torna-se alvo de humilhações, risadas e comentários dos seus
semelhantes, daí sempre usar um lenço no rosto.
O menino é abandonado em pleno
rigor do inverno, e ainda consegue salvar a pequena Déa, uma garota cega, e
após varias tentativas de recusa nas casas que bate a pedir socorro, finalmente
é acolhido pelo grande e gentil Ursus, um artista circense que os aceita como
eles são, tornando sua verdadeira família. ¨Você não deve ter onde morar, certo? Pode morar comigo¨.Já nesta primeira fala podemos sentir o texto de Victor Hugo.
Era comum naquela época, pessoas com deformações ou singularidades fazerem
apresentações, como verdadeiros circos, utilizando a bizarrice como chamariz ao
público. E Hursus junto com os órfãos passam a viajar no seu troller fazendo
estas apresentações nos vilarejos, como saltimbancos, um teatro ao ar livre contando as
agruras do jovem casal .
Gwynplaine vira atração principal
pela sua deformidade, mas apesar da aparência macabra, é um ser humano sensível
e humanamente comovente. Sua fama chega até a corte. A cicatriz no rosto do
jovem causa horror e fascínio nas pessoas, em especial à duquesa Josiane, como
um fetiche, e apesar do desnível social
, este chega ate a corte, afastando-se das pessoas que verdadeiramente o amam.
Esta é uma trágica história de
amor a là Romeu e Julieta, onde os dois jovens se complementam através de suas
diferenças, tornando-se um só. Gwynplaine representa os olhos para a doce Déa,
e esta ¨enxerga¨ a beleza no mutilado jovem, através da sua alma. Um melodrama
que utiliza o mórbido como elemento principal para exaltar o amor, a lealdade,
a aceitação do outro, que o belo é
determinado pelo que a pessoa possui em seu interior, e não pela aparência .
Contado como uma fábula, com
ambiente sombrio, o diretor utiliza o texto de Victor Hugo de forma clara,
mostrando a miséria do povo, a indiferença e o poder da nobreza sobre os
pobres, uma critica à sociedade, à estética, misturando fantasia e crítica social,
a ganância dos ricos em detrimento dos pobres.
Gerard Dupardieu interpreta
Ursus uma figura paternal, de forma convincente, mas não magistral.O jovem
casal Gwynplaine e Déa, tem como atores Marc-André Grondin e Christa Theret,
escolhidos pelo diretor inclusive por serem novatos, mas com atuação dentro do
desejável. No papel da duquesa Josiane temos a atriz Emmanuelle Seigner (do
filme Dentro de Casa), deixando a desejar, sem força e expressividade.O ator Marc-André Grondin atuou também no filme C.R.A.Z.Y
O personagem Gwynplaine em alguns
momentos nos lembra Edward Mãos de tesoura, pela sua ingenuidade beirando em
alguns momentos ao ridículo, inclusive quando é conduzido à corte como uma
marionete, fascinado pelo meio social, mas sem aceitar as diferenças de classes.
Enfim, uma adaptação de uma
historia fantasiosa de Victor Hugo, onde as fragilidades e deficiências se
complementam e se fortalecem através da cegueira da suave Déa, frágil diante
da sua limitação, mas forte através do seu amor por Gwynplaine, que torna-se belo
ao ¨olhar¨de sua amada. E a duquesa representa a luxúria , os prazeres da vida
mundana. Mostrando também o lado político da época, o desdém dos nobres
pela condição de pobreza da plebe, numa linha bem próxima ao livro.
Como diria Victor Hugo: O Paraíso
dos ricos é feito do inferno dos pobres¨. Este escritor é autor de outras grandes obras como Os Miseráveis e O corcunda de Notre-Dame.
Como curiosidade, vale ressaltar
que o coringa, arqui-inimigo do Batman, tem uma referência através desta literatura de Victor Hugo.