sexta-feira, 28 de junho de 2013

O HOMEM QUE RI




¨As pessoas não são necessariamente malvadas, elas são perigosas quando têm medo¨.¨O desemprego está em todas as partes¨.Você mordeu o fruto de ouro, agora vai cuspir as cinzas¨.
Estas são algumas frases do texto do romance de Victor Hugo intitulado L’Homme Qui Rit,  em português O Homem que Ri, um drama francês em  sua terceira adaptação para o cinema. A primeira versão americana teve a direção de Paul Lenni em 1928 e a segunda versão franco-italiana, sob a direção de Sergio Cobucci, em 1966.
Esta nova versão do diretor Jean-Pierre Améris concentrou a atenção no desenvolvimento do personagem principal  Gwynplaine, com 95 minutos de um melodrama com o retrato sombrio da natureza humana, partindo do grotesco e da deformação humana, tendo como pano de fundo a aristocracia inglesa do século XVII, contrastando com a plebe e as insuportáveis diferenças sociais.
A história triste e melancólica de um órfão chamado Gwynplaine, um garoto seqüestrado quando criança e com o rosto desfigurado por uma cicatriz feito por um bando de ciganos andarilhos, conhecidos como ¨comprachicos¨, que esculpe um sorriso macabro e rígido, torna-se alvo de humilhações, risadas e comentários dos seus semelhantes, daí sempre usar um lenço no rosto.
O menino é abandonado em pleno rigor do inverno, e ainda consegue salvar a pequena Déa, uma garota cega, e após varias tentativas de recusa nas casas que bate a pedir socorro, finalmente é acolhido pelo grande e gentil Ursus, um artista circense que os aceita como eles são, tornando sua verdadeira família. ¨Você não deve ter onde morar, certo? Pode morar comigo¨.Já nesta primeira fala podemos sentir o texto de Victor Hugo.
Era comum naquela época,  pessoas com deformações ou singularidades fazerem apresentações, como verdadeiros circos, utilizando a bizarrice como chamariz ao público. E Hursus junto com os órfãos passam a viajar no seu troller fazendo estas apresentações nos vilarejos, como saltimbancos, um teatro ao ar livre contando as agruras do jovem casal .
Gwynplaine vira atração principal pela sua deformidade, mas apesar da aparência macabra, é um ser humano sensível e humanamente comovente. Sua fama chega até a corte. A cicatriz no rosto do jovem causa horror e fascínio nas pessoas, em especial à duquesa Josiane, como um fetiche,  e apesar do desnível social , este chega ate a corte, afastando-se das pessoas que verdadeiramente o amam.
Esta é uma trágica história de amor a là Romeu e Julieta, onde os dois jovens se complementam através de suas diferenças, tornando-se um só. Gwynplaine representa os olhos para a doce Déa, e esta ¨enxerga¨ a beleza no mutilado jovem, através da sua alma. Um melodrama que utiliza o mórbido como elemento principal para exaltar o amor, a lealdade, a aceitação do outro, que o belo  é determinado pelo que a pessoa possui em seu interior, e não pela aparência .
Contado como uma fábula, com ambiente sombrio, o diretor utiliza o texto de Victor Hugo de forma clara, mostrando a miséria do povo, a indiferença e o poder da nobreza sobre os pobres, uma critica à sociedade, à estética, misturando fantasia e crítica social, a ganância dos ricos em detrimento dos pobres.
Gerard Dupardieu interpreta Ursus uma figura paternal, de forma convincente, mas não magistral.O jovem casal Gwynplaine e Déa, tem como atores Marc-André Grondin e Christa Theret, escolhidos pelo diretor inclusive por serem novatos, mas com atuação dentro do desejável. No papel da duquesa Josiane temos a atriz Emmanuelle Seigner (do filme Dentro de Casa), deixando a desejar, sem força e expressividade.O ator Marc-André Grondin atuou também no filme C.R.A.Z.Y
O personagem Gwynplaine em alguns momentos nos lembra Edward Mãos de tesoura, pela sua ingenuidade beirando em alguns momentos ao ridículo, inclusive quando é conduzido à corte como uma marionete, fascinado pelo meio social,  mas sem aceitar as diferenças de classes.
Enfim, uma adaptação de uma historia fantasiosa de Victor Hugo, onde as fragilidades e deficiências se complementam e se fortalecem  através da cegueira da suave Déa,  frágil diante da sua limitação,  mas forte através do seu amor por Gwynplaine, que torna-se belo ao ¨olhar¨de sua amada. E a duquesa representa a luxúria , os prazeres da vida mundana. Mostrando também o  lado político da época, o desdém dos nobres pela condição de pobreza da plebe, numa linha bem próxima ao livro.
Como diria Victor Hugo: O Paraíso dos ricos é feito do inferno dos pobres¨. Este escritor é autor de outras grandes obras como Os Miseráveis e O corcunda de Notre-Dame.
Como curiosidade, vale ressaltar que o coringa, arqui-inimigo do Batman, tem uma referência através desta literatura de Victor Hugo.





2 comentários:

  1. Márcia,
    Gostei muito desse filme, mas estou sob suspeita. Tenho enorme fascínio pelo submundo soturno da Europa, em especial Paris e arredores, séculos XVII, XVIII. Personagens e ambientação que nos remetem a outras histórias - "O Perfume" e "O corcunda de Notre-Dame", duas delas - em que a pobreza extrema e o sofrimento das ruas, com feiras, saltimbancos, vendedores de poções milagrosas itinerantes, doença e morte, contrastam com a opulência, luxúria e jogos de poder das cortes. Penso que, em "O homem que ri", essas características, e a própria narrativa, levam a interpretações caricaturais, pois os atores teatralizam sua atuação como os próprios personagens precisavam fazer para chamar a atenção do público local.
    Mais uma boa indicação que você nos apresenta e, dos que não vi, e engordam minha lista, falo depois.

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  2. Nicia, leitora assídua deste blog, é um prazer este retorno tão bem escrito.Eu adorei este filme, cinema é isto, diversidade de opiniões, isto é enriquecedor. Mas nossas opiniões combinam no caso do O Homem que Ri.

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